sexta-feira, 27 de abril de 2012

Eugénio

Nada 


nem o branco fogo do trigo 
nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros 
te dirão a palavra 



Não interrogues não perguntes 
entre a razão e a turbulência da neve 
não há diferença 



Não colecciones dejectos o teu destino és tu 



Despe-te 
não há outro caminho 



Eugénio de Andrade, in "Véspera da Água"



Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, 



e o que nos ficou não chega 

para afastar o frio de quatro paredes. 

Gastámos tudo menos o silêncio. 

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, 

gastámos as mão à força de as apertarmos, 

gastámos o relógio e as pedras das esquinas 

em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras 


e não encontro nada. 

Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro! 

Era como se todas as coisas fossem minhas: 

quanto mais te dava mais tinha para te dar.


Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! 

e eu acreditava. 

Acreditava, 

porque ao teu lado 

todas as coisas eram possíveis. 

Mas isso era no tempo dos segredos, 

no tempo em que o teu corpo era um aquário, 

no tempo em que os meus olhos 

eram peixes verdes. 

Hoje são apenas os meus olhos. 

É pouco, mas é verdade, 

uns olhos como todos os outros.


Já gastámos as palavras. 

Quando agora digo: meu amor..., 

já se não passa absolutamente nada. 

E no entanto, antes das palavras gastas, 

tenho a certeza 

de que todas as coisas estremeciam 

só de murmurar o teu nome 

no silêncio do meu coração. 

Não temos já nada para dar. 

Dentro de ti 

não há nada que me peça água. 

O passado é inútil como um trapo. 

E já te disse: as palavras estão gastas.

                Adeus. 
                     
Eugénio de Andrade




1 comentário:

Anónimo disse...

Nunca tinha lido isto, mas está mesmo lindo e sentido!