segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Saudades

 Tenho saudades de ver o lado positivo das coisas. Tenho saudades de ser despreocupada e relaxada. Tenho saudades dos dias em que tinha teste e não fazia e ideia e não ficava com os nervos à flor da pele. Tenho saudades de dançar à chuva. Tenho saudades de correr Hyde Park de uma ponta à outra com as minhas melhores amigas. Tenho saudades de ter melhores amigas. Tenho saudades de sentir borboletas no estômago. Tenho saudades (mas poucas) de quando éramos os três mosqueteiros. Tenho saudades de pessoas que perdi ao longo da vida. Tenho saudades de quando éramos amigos, não tenho saudades de quando éramos namorados. Tenho saudades de estar em casa da minha avó e estar à vontade sem um familiar que vive lá actualmente. Tenho saudades da casa da minha avó velhinha como estava. Tenho saudades de ver o meu avô andar e deitar-se ao meu lado debaixo da japoneira enquanto comíamos bolacha Maria com queijo e marmelada. Tenho saudades de quando a minha avó cantava e tinha o rádio o dia todo ligado. Tenho saudades de estar com a família junto à lareira e ouvir histórias do antigamente contadas pela minha avó. Tenho saudades de vir da escola primária para casa da minha avó a rebolar pela estrada e caçar lagartixas com o J. e o T. Tenho saudades de quando eu e a A. éramos melhor amigas, trepávamos às árvores e fazíamos funerais a formigas e abelhas. Tenho saudades dos meus antigos vizinhos e acordar-los todos ao domingo de manhã para irmos fazer corridas de bicicleta. Tenho saudades de ir de férias com os meus vizinhos. Tenho saudades de festejar o meu aniversário juntamente com o meu primo. Tenho saudades dos Natais em que só abríamos os presentes na manhã de 25 e os presentes eram o dobro de mim. Tenho saudades de comer cereais às toneladas. Tenho saudades de não ter receio de pegar em bichos e cavar terra com a minha avó. Tenho saudades de fazer parvoíces com a turma atrás do pavilhão da escola. Tenho saudades de demorar tempos infinitos a tomar banho no balneário da escola e gritar letras de músicas para irritar os rapazes. Tenho saudades de falar com as empregadas. Tenho saudades dos trabalhos de grupo de A.P. Tenho saudades das amigas que fiz quando vim morar para a minha actual casa. Tenho saudades de achar que a minha era um máximo e que a cidade onde moro é fantástica. Tenho saudades de gostar de ir à praia e divertir-me. Tenho saudades das gargalhadas por coisas parvas. Tenho saudades de irmos à vila comprar gomas e enganar-mos o porteiro do ciclo. Tenho saudades de ter religião e moral e dos passeios ao Porto. Tenho saudades de viajar na parte de trás de autocarro com a melhor turma do mundo. Tenho saudades da melhor turma do mundo. Tenho saudades dos fim-de-semanas em que passava a manhã toda na cama. Tenho saudades das vídeo cassetes e das cassetes de música. Tenho saudades de descobrir livros novos em casa da minha avó. Tenho saudades de quando o meu tio tinha um talho junto ao mercado e sempre que ia lá ele enchia-me de chocolates. Tenho saudades da senhora que vendia roscas. Tenho saudades de comer línguas da sogra depois de sair da catequese. Tenho saudades de ouvir música dos anos oitenta e salta em cima dos sofás com a minha mãe. Tenho saudades de quando eu e o meu irmão fazíamos trinta por uma linha. Tenho saudades de tanta coisa, tenho saudades de estar bem. Tenho saudades de tudo e de nada. Tenho saudades de mim.

3 comentários:

Anónimo disse...

Significa que cresceu e embora lhe custe, como a todos, aliás; teve de abandonar a criança que em si vivia.
Agora, como parece ter guardado as belas recordações, viverá esse deleite recordando horas felizes que o tempo levou...nos levou.

Miguel Silva disse...

Algumas das coisas que aí escreves são bem fáceis de realizar e reviver.


Mas se reparares vez que quase todas as coisas que fazias ou tens saudades tinham outro alguém com quem as partilhar. Só precisas de arranjar alguém com quem partilhar...

Anónimo disse...

Nenhuma é fácil de realizar e todas são o imutável passado.
Ninguém substitui nem complementa ninguém que foi querido no nosso passado: nem Deus!
Ele também tem as Suas limitações. Pode alterar o futuro, mas não modificar o passado.
É a estrada da vida, menina; que uma vez encetada, é um caminho sem retorno e há que percorrê-lo, sempre em frente até ao fim.