Nada
nem o branco fogo do trigo
nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros
te dirão a palavra
Não interrogues não perguntes
entre a razão e a turbulência da neve
não há diferença
Não colecciones dejectos o teu destino és tu
Despe-te
não há outro caminho
Eugénio de Andrade, in "Véspera da Água"
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chegapara afastar o frio de quatro paredes.Gastámos tudo menos o silêncio.Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,gastámos as mão à força de as apertarmos,gastámos o relógio e as pedras das esquinasem esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeirase não encontro nada.Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!Era como se todas as coisas fossem minhas:quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!e eu acreditava.Acreditava,porque ao teu ladotodas as coisas eram possíveis.Mas isso era no tempo dos segredos,no tempo em que o teu corpo era um aquário,no tempo em que os meus olhoseram peixes verdes.Hoje são apenas os meus olhos.É pouco, mas é verdade,uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.Quando agora digo: meu amor...,já se não passa absolutamente nada.E no entanto, antes das palavras gastas,tenho a certezade que todas as coisas estremeciamsó de murmurar o teu nomeno silêncio do meu coração.Não temos já nada para dar.Dentro de tinão há nada que me peça água.O passado é inútil como um trapo.E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
1 comentário:
Adorei e eu que não gosto de poesia...
Está tudo bem B.? Espero que sim :)
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