domingo, 15 de janeiro de 2012

Coisas que marcaram a minha vida #2


    O meu pai. Não falo muito sobre ele e quando falo, normalmente não é pelos melhores motivos. Com o meu pai aprendi a gostar de trabalhar com as mãos, aprendi para que serviam as ferramentas e como se montava uma estante ou outra coisa qualquer. Aprendi a ouvir música, desde os clássicos até a música mais actual. Foi com ele que comecei a aprender a apreciar relógios, também herdei dele o gosto pelas compras e a minha vaidade. O meu pai sempre gostou do bom e do melhor. Com o meu pai, aprendi a gostar de carros e para que é que motor e todas as outras coisas serviam. Por vezes até preferia os carrinhos às Barbies. Aprendi a gostar de cozinhar e inventar na cozinha. Com ele também aprendi que nunca se deve virar as costas à família e que devemos pedir desculpa quando estamos errados, foi uma lição que aprendi com ele, porque ele nunca o fez. Ele era o melhor pai do mundo. Um dia, começou a afastar-se devido ao trabalho, só o via aos fim-de-semanas. Outro dia, chama-me à sala e diz-me que vai trabalhar para fora. Passei a vê-lo só nas férias e muito raramente um fim-de-semana quando conseguia passagem para cá. Um dia, nas férias, chama-me de novo a sala e diz-me algo que eu já sabia, "Eu e a mamã vamos divorciar-nos". Eu não chorei, nem o meu irmão. Levantamos-nos depois de ouvir tudo o que ele tinha para dizer, não falamos, saímos e fomos comer cereais, fingimos que estava tudo bem. Um dia deixou de ligar todos os domingos. Um dia deixou de mandar mensagens. Um dia deixei de receber cartas. Um dia comecei a receber notícias dele pela minha avó ou pelos advogados. Um dia deixou de vir cá nas férias. E foi assim, até comecei a pensar em mim como órfã de pai. Um dia fiquei sem resposta as minhas tentativas de comunicação. E esta trapalhada toda foi das coisas que mais marcou a minha vida. Um deixei de ter garagem para fazer móveis e montar coisas. Um dia deixei de ter alguém com que falar sobre carros. Um dia deixei de ter alguém que cantava Coldplay comigo. Um dia deixei de ter alguém que tivesse a mesma paciência que eu para as compras e apreciar relógios. Um dia deixei de ter alguém que faz-me pratos com caras sorridentes e baguetes que imitam um rato. Um dia "perdi" o meu pai. 

5 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Apesar de ter o meu pai presente, a viver na mesma casa que eu, posso dizer com toda a certeza que houve um dia em que também o perdi, e esse dia foi no último dia de aulas do meu 8º ano.

Diogo Marques disse...

Podes o ter perdido fisicamente, mas como se nota no teu texto, ainda continua contigo no pensamento, e isso é o importante. Ele iria gostar de ler isto.

Sardine disse...

Olá B., em resposta aos comentários porque não começamos logo por ir ver os Coldplay ao Estádio do Dragão ? :)
Ah! Cozinhei bifinhos de peru com recheio de queijo e fiambre, a acompanhar esparguete e estufado de legumes salteados chineses. Aqui em casa adoraram :)
Quanto ao teu texto, confesso que as lágrimas apareceram no canto do olho. O teu pai foi um excelente pai, e é mais que certo que se não fosse devido à vossa distância ele continuaria a ser um ótimo pai. B. não podes perder alguém assim tão importante, não é tarde de mais. Concordo com o Diogo, o teu pai adoraria ouvir isto, diz-lhe :)
Um beijinho!

Ivanova Araújo disse...

Percebo-te! Nas tuas palavras ainda há sentimento, tenta conversar com ele e diz-lhe tudo o que t vai na alma. Ás vezes as pessoas precisam de ouvir as verdades para perceberem que magoam os outros sem saberem